Quantas vezes eu não passei na frente desse prédio e pensei como ele parecia ter sido cortado ao meio. As janelas se estendiam por apenas três das quatro faces, curioso. Na face restante apenas parede, vinte andares de parede.
Era a primeira vez que entrava no prédio, parecia antigo mas, não entendo tanto de construções para saber de que época. O piso era em granilite, as paredes de uma amarelo pálido plastificado.
O portão estava aberto e no corredor uma pequena portaria, apenas uma baia de madeira. Um senhor ouvia um radinho daqueles quadrados antigos com antena, que pitoresco. Tocava uma música também antiga. O som vinha chiado, e ecoava pelo ambiente, soava ainda pior com o ventilador de metal ligado. Ao fundo dois elevadores e uma escada. Tomara que esses elevadores funcionem.
O porteiro era antigo também, velho, enrugado, quase uma caricatura, em uma pose relaxada, tomando um ventinho com pés em cima da mesa e aquelas havaianas brancas e azuis gastas.
— Boa tarde. Vim entregar flores no 135.
O senhor arregalou os olhos, sorriu, um sorriso de dentes feios e gastos.
— Elevador da direita, treze, direita, final do corredor.
— O senhor não vai interfonar?
— Não precisa. Pode subir. — disse com aquele sorriso estranho estampado.
Entrei no elevador e apertei o treze, o elevador rangia e subia em uma velocidade desconcertante, o cheiro de mofo subia com o calor e o chão meio macio só aumentava minha tensão. Segurei firme o arranjo de flores com medo dele quebrar se essa geringonça desse algum tranco.
Depois de um minuto que parecia mais um eternidade, o elevador realmente deu um tranco e parou no andar.
Sai em um corredor, duas portas na frente uma em cada ponta. Direita, segui na direção do 135.
Pensando bem…esse era o lado sem janela do prédio. Será que não existe nenhuma janela naquele apartamento? Coitado de quem morar desse lado.
Toquei a campainha, silêncio. Esperei, toquei de novo.
— Já vai, já vai. — ouvi a voz de uma senhor responder. Passos arrastados, a chave virando. Ele abriu só uma fresta mostrando metade do rosto apenas. Parecia o Papai Noel.
— Bom dia, sou da Flores do Dia. Vim entregar seu pedido. — sorri mostrando o arrranjo a ele.
— Claro, claro, entre. — abriu a porta com um sorriso. Tinha cara de vovô daqueles de filme e que a gente gosta logo de cara.
Segui o senhor e me vi de frente a uma bela mesa de madeira maciça encostada na parede. Estranho. Esse com certeza era o lado do prédio sem janela, mas haviam cortinas.
— Pode colocar no centro.
Coloquei o arranjo no centro da mesa. O senhor assinou o recibo. Eu me preparava para sair mas não consegui conter a curiosidade.
— Me desculpe perguntar mas, para que as cortinas?
— Para as janelas horas. –O senhor sorriu e se dirigiu até às cortinas abrindo-as.
Não consegui segurar uma exclamação. Um espelho? Não… Nunca havia visto nada assim. Me aproximei. Toquei com as ponta dos dedos, era frio, parecia realmente um espelho, a mesa, as flores, mas a imagem não era exatamente igual, as cores lembravam uma pintura daquelas de aquarelas as cores já meio apagadas, próximo, mas distante. No lugar do senhor a janela-espelho mostrava uma senhora.
— Mas, o quê? Quem é ela?
O senhor pareceu surpreso e deu uma gargalhada.
— Essa é uma janela para o outro lado, ou pelo menos é o nome que eu dei e ela é minha senhora. — a senhora sorriu do outro lado acenando.
— Eu não entendo…
— Nem eu. — o senhor sorriu, pensativo — normalmente as pessoas só vêem o reflexo do espelho. — e deu de ombros. — gostaria de ouvir minha história?
Mesmo se tivesse algo para fazer depois, o que não era o caso, eu ficaria. Eu sentia que precisava e que essa história iria mudar a minha vida.
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